domingo, 23 de janeiro de 2011

Da imperfeição da expressão


Todo artista, pensador, enfim, homem de alma sensível, capaz de alçar voos com sua potência abstrativa, sente. Sente inúmeras vezes, inúmeros estados distintos onde sua consciência, refinada ou não, desdobra-se em uma ampla variedade perceptiva. Porém, toda forma de expressão, isto é, de comunicação humana, seja ela esteticamente magnífica ou desprezível, está muito longe de exprimir a preciosidade das sutilezas experimentadas nesses voos da consciência. Seja através da pintura ou da ópera, do monumento ou do tão “desgastado” discurso, por mais genial e cuidadoso que seja o escritor, sempre.. a distância entre a sensação e a linguagem, será abissal. Entretanto, ainda que seja uma comunicação imperfeita, a escrita é a migalha necessária para a sobrevivência da comunicação.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Atração pelas letras


O papel em branco ou a página vazia do editor de texto, pouco importa, só sei que um estranho vórtice oculto inunda o meu peito retorcendo cada pedaço de ser, impelindo-o a exprimir-se através dos signos da linguagem.

Que é isso, como se dá, porquê? Ora, que me importa saber a causa eficiente. Tal arrebatamento convida-me a um debate íntimo, recôndito, poético. Podes evadir-se de tudo e todos, com exceção de ti. Logo, não cabe deliberação, não há possibilidade de escolha. No silêncio da garganta, mergulho no vórtice do grito interno. A voz do pensamento ecoa pelas entranhas em ressonância com as notas mais profundas. Estas, despertas, compõem a sinfonia da vida, onde a expressão sincera do sublime e do trágico revelam o peso da alma do autor.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Tempo terminal, temperante ou temeroso?

Ultimamente passei distante desse espaço virtual, produto do delírio moderno. Por quê? Diria que a razão jaz na amálgama entre inércia bruta - tão latente em meu espírito procrastinador - e ocupações abstratas acadêmicas, que contribuem tão pouco para a existência de todo sábio capaz de reconhecer que a vida precede a filosofia.

De qualquer maneira, tenho uma treta pessoal com o tempo. Sêneca, o maior dos romanos, disse-me em uma de suas elegantes epístolas que se morre todo dia, e que tolo é aquele capaz de se esquecer dessa condição natural, mortal, do pobre homem.

Por um instante, podemos deduzir que Sêneca nos direciona a uma vereda ébria, sensualista, impulsiva: o carpe diem tatuado nas vísceras.

Por outro lado, o dito estóico, disse-me também que é preciso preparar-se para a velhice, esforçando-se na juventude em controlar as licenciosidades. Ai de mim, estimado Sêneca, como soluciono tamanho conflito, bem mais austero e importante que a mais complexa das equações?

A tão formosa matemática, poderosa e triunfante com todos seus adornos passa longe de sua sabedoria aparentemente simples, sabes por quê? Porque ela, diferente de tu, não me ensinas a viver. E que saber pode ser mais elevado que este?

Mas voltamos ao tempo. Por que digo tudo isso? Porque tenho prazer em escrever minhas meditações. Ainda que sejam simples e nada elegantes, são honestas e fecundas para mim.

Todavia me vejo impedido de exercitá-las, na medida que assim como o romano antigo, alimento-me de pão e vinho, e para tal, preciso da ingrata moeda.

Por hora é sensato lembrar de Aristóteles que nos sugere a justa medida, tão difícil de ser aplicada. Não viver na esbórnia nem tampouco viver como um vampiro intelectual, que serve-se apenas da razão em sua forma instrumental acumulando uma erudição vazia, e que com medo, foge da vida e vê a mesma passando por entre os dedos, escorrendo para o abismo da mediocridade.


Prometo escrever com mais assiduidade.



domingo, 12 de setembro de 2010

O açoite

Ali arrasta-se um homem..
arrasta-se por que ali, faltou temor à mim.

tentou desvendar o mistério logo jovem,
delícia das delícias; decreto agora o seu fim.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Israel: transfigurando-se de oprimido em opressor





Não é tarefa fácil analisar temas polêmicos sem adotar uma postura essencialmente passional ou ideológica. Porém, ao nos entregarmos a essas tentadoras inclinações, prontamente descartamos a possibilidade de realizarmos uma investigação sob uma perspectiva menos enlameada pelo turbilhão de sentimentos impetuosos. Contudo, após certa reflexão, torna-se inviável persistir sob a égide da neutralidade; tal conduta seria mera covardia de assumir uma posição frente à polêmica. Não sou do tipo religioso mais ainda me lembro do Natal de 2008, quando certa melancolia me atingiu ao ver os noticiários, que como arautos do Hades irromperam notificando a avassaladora ofensiva israelense sobre o que restou do território palestino. A operação militar “Chumbo Fundido” ficou conhecida no mundo árabe como Massacre de Gaza e durou aproximadamente 20 dias, sendo considerada uma das mais violentas desde a Guerra dos Seis Dias (1967).

Utilizando a mais alta tecnologia bélica contra um inimigo que não possui um blindado se quer, Israel investiu por ar e terra, lançando inclusive bombas de fósforo branco (arma proibida pelo terceiro protocolo da convenção sobre armas convencionais de 1980), resultando segundo a ONG israelense B’Tselem (http://www.btselem.org) na morte de 1.387 palestinos, onde mais da metade eram civis que não participaram dos combates. Entre esses, 252 eram jovens ou crianças com menos de 16 anos. Da parte israelense morreram 13 soldados, sendo três destes por fogo amigo. O motivo para tamanha retaliação de acordo com o governo de Israel consistiu no fim do cessar-fogo declarado pelo Hamas, que lançou foguetes no território israelense, mas não causou mortes. O Hamas, por sua vez, critica o bloqueio econômico realizado por Israel pelo mar, terra e ar. Este protela o embargo, sob a escusa de evitar que armas cheguem à Palestina.

Outro triste episódio protagonizado por Israel ocorreu dois anos antes, porém não foi tão repercutido na medida em que foi eclipsado pela Guerra do Iraque. Conhecido pelos israelenses como Segunda Guerra do Líbano, o conflito foi o mais violento no Líbano desde a invasão de 1982, tendo início em Julho de 2006, durando 34 dias. Resultou na morte de 1.200 libaneses, sendo mais de 800 civis, no qual um terço foram crianças com menos de 12 anos de idade (fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u707019.shtml) e 157 israelenses, na grande parte soldados. Cerca de um milhão de pessoas ficaram desabrigadas, e o motivo desta incursão no território libanês foi o sequestro de dois soldados israelenses pelo Hizbollah.

Com base neste histórico marcial, torna-se evidente até então que o estado de Israel é o grande protagonista belicoso do século XXI. Logo, não é surpresa o recente ataque em águas internacionais ao comboio de ajuda humanitária, somando mais dez civis mortos. Israel assim como toda nação, possui todo o direito de se proteger. Porém, quando a reação é excessivamente desmedida, o oprimido transfigura-se em opressor; pois é capaz de promover barbárie ainda maior; basta lembrarmo-nos dos aliados na segunda grande guerra no episódio de Hiroshima e Nagasaki. De qualquer forma, por hora, o “sábio” conselho de segurança da ONU discute sanções ao “temerário” Irã, que neste século ainda não fez incursão militar alguma. Cerram-se os olhos para a contenda na Judéia, enquanto isso um napoleônico - pequeno, porém poderoso – estado totalitário transviado de democrático subjuga o oriente médio. Um estado que proíbe a entrada daqueles que não concordam com o regime político, e que censura a demonstração de outras crenças religiosas, ou seja, nega a liberdade de expressão, pode sim ser configurado como totalitário. Noam Chomsky e os católicos residentes em Israel sabem bem sobre o que eu estou dizendo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Policarpo Quaresma - um recurso didático para o homem político


Já há algum tempo vivemos em meio a um niilismo político generalizado, constituído pelos lúgubres episódios da cena porco-política brasileira. Não obstante, somado a este pernicioso desinteresse, encontram-se as feridas abertas do regime militar, que por sua vez, dificultam qualquer tentativa de inclinação por parte dos cidadãos a uma afeição pela nação em que residem. O desejo de cuidar, zelar, é produto do apreço, da afeição. Seguindo este passo notamos que, minando a causa, extingue-se naturalmente o seu efeito. Dadas estas condições adversas, onde até mesmo um diminuto sinal de patriotismo não tarda a ser configurado como militarismo autoritário, sendo prontamente rechaçado por parte da sociedade civil, como poderíamos afinal resgatar a afeição pela questão política?

Poucas veredas são mais pedagógicas que a dos exemplos, ainda que estes sejam fictícios. Tão só, basta criar um exemplo capaz de representar o homem político salutar, para que este se torne útil na educação política. Eis que então ganha vida nos palcos o anti-herói, Policarpo Quaresma. No SESC Consolação em São Paulo, o Centro de Pesquisa Teatral e o Grupo Macunaíma de Teatro apresentam o novo espetáculo do diretor Antunes Filho, na encenação do romance Triste Fim De Policarpo Quaresma, de Lima Barreto - ícone literário do pré-modernismo. Policarpo é um sujeito carismático e idealista. Navegando entre o ufanismo e um patriotismo “construtivo”, é dado por louco quando sugere um projeto de lei que almejava tornar o tupi, a nova língua oficial brasileira. Após sua estadia pelo manicômio, Policarpo aposenta-se e sonhando com uma vida pacata, interessa-se pela prática da agricultura, adquirindo uma propriedade rural no interior.

Mesmo com um aparente distanciamento da vida política, o protagonista é tragado pela mesma, ao ser forçado a tomar parte nos trâmites eleitorais da região. Ademais, encontra-se em apuros com sua atividade rural, na medida em que pragas infestam as suas plantações. Nesse meio tempo, irrompe a segunda revolução armada – episódio ocorrido em 1892, onde parte da marinha brasileira ameaçou bombardear o Rio de Janeiro devido à usurpação cometida pelo Marechal Floriano Peixoto, que contrariando a constituição de 1981, não promulgou eleições presidenciais, tomando posse na renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca – e Policarpo envia um esperançoso telegrama ao presidente Floriano Peixoto, demonstrando sua disposição absoluta em ajudar a república.

Pensando naqueles que desconhecem a obra de Lima Barreto, paro por aqui e silêncio a respeito do restante da narrativa. De qualquer maneira, Policarpo representa um idealismo puro e com isso afirma o homem político salutar. Seu pensamento político é altruísta, revelando grande preocupação para com o povo, por vezes realizando grandes sacrifícios pessoais em prol do bem maior. Caso o leitor não consiga assistir a peça de Antunes, resta sempre o majestoso romance de Lima Barreto: um deleite indispensável para a formação do homem político moderno.


sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Estrada



Existe um tema que exerce grande atração no psiquismo humano, haja visto sua intrínseca relação com a idéia de finitude absoluta. Trata-se dos eventos apocalípticos. Geralmente, a ambientação destas histórias desenvolve-se em dois períodos: pré-apocaliptico ou pós-apocaliptico. Neste último, é onde se passa o filme A Estrada (The Road), adaptação do livro de Cormac McCarthy, dirigido por John Hillcoat e protagonizado por Viggo Mortensen. Em A Estrada, desconhece-se a causa da queda da civilização, porém se este motivo é ocultado, certamente o efeito desta misteriosa condição é explícitado, convergendo em um resultado desesperançoso. A história se dá aparentemente após um evento cataclísmico ter atingido a terra, onde portanto um pai e um filho passam a viver de modo nômade, lutando apenas pela sobrevivência. O destino dessa jornada são as terras ao sul, onde talvez o clima seja mais ameno. Neste mundo caído, não restaram outras criaturas nem tampouco o solo é fértil, logo a inanição é a principal causa do hecatombe. Como consequência dessa intensa escassez alimentar emerge a barbárie do canibalismo, por meio de gangues que capturam sobreviventes armazenando-os como gado.
Nestas circunstâncias funestas alguns sobreviventes optam pelo suicídio, na medida em que crêem ser o último recurso frente a eminente queda da humanidade. O cenário do filme desenha-se através de uma américa devastada e fantasmagórica, que para aqueles que recusam o canibalismo, oferece somente restos de comida produzida pela outrora civilização moderna. Mas afinal, porque ficamos desolados com um suposto fim dos tempos? Somente por causa da morte eminente? Certamente não, pois a morte é uma condição inexorável ao homem. O assombro se dá na extinção do homem histórico, ou seja, na destruição da civilização. O fim daquilo que Hegel chamaria de Espírito Universal, o fim da odisséia histórica. No filme, pai e filho realizam uma tarefa exclusivamente biológica: sobreviver. Porém, o que há de histórico e civilizatório neste modo de viver? E nos dias de hoje, será que vivemos de maneira muito diferente? Bilhões não deixam seus leitos todos os dias em busca da moeda que lhes possa prover a subsistência?
Quem de nós, possue “consciência” sobre o espírito histórico e de fato contribui para o fortalecimento deste? Mesmo em tempos de relativa ordem, vivemos imersos nas trevas do eu, cegos em nossa individualidade, por vezes vivendo somente em função das nossas necessidades fundamentais e daqueles a nossa volta, ignorando portanto, qualquer projeto que envolva o mundo da cultura-pensamento e seu alcance coletivo. O homem desprovido de razão, é incapaz de transcender a si e mergulhar na grande coletividade; porém somente esta última, é capaz de abrigar um projeto histórico. A contínua escuridão a respeito do espírito histórico, não poderia talvez explicar as crises ambientais do início do século XXI, erigidas na insensibilidade desmedida a cerca das futuras gerações e da humanidade em sua totalidade?
O grande triunfo de uma narrativa, e neste caso, de um filme, não consiste em sua capacidade de entreter, mas tão só de poder mover o pensamento à direções fecundas, gerando reflexões que possam iluminar questões ainda sutis e obscuras. Eis o porque eu recomendo A Estrada.


"O que a história ensina é que os governos e as pessoas nunca aprendem com a história" (Georg W. F. Hegel)